Terça-Feira, 13 de Dezembro de 2016, 16h:02

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Por Jaime Sautchuk

Gullar e a academia

Na recente morte do poeta maranhense Ferreira Gullar, a grande mídia destacou o fato dele ser membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), entidade que congrega supostos escritores. No entanto, o Ferreira Gullar que todos conhecemos nada tinha a ver com isso.


Quero dizer apenas que o fato de alguém ser membro dessa agremiação não o faz mais nem menos importante, pois essa tarefa é cumprida (ou não) pela obra de cada um. Ademais, a ABL está cheia de indigentes em Literatura e Artes.

O próprio Gullar sempre foi contrário a essa confraria. Mas, já com idade bem avançada, ao mudar sua visão de mundo, mudou também essa opinião. E foi fazer parte da encenação, com beca e tudo o mais. 

Em verdade, o momento serve pra reascender o debate, sempre latente, sobre a (des)necessidade da ABL. Já ao nascer, em 1897, à imagem e similitude da congênere francesa, a entidade trazia consigo o signo da polêmica.

Desde lá, é um colegiado que passa longe de representar o pensamento do conjunto de escritores brasileiros, entre romancistas, contistas, poetas, cordelistas e tantos outros istas. A começar pelo fato de que seu estatuto, em vigor até os dias atuais, decreta que o centro literário do Brasil é o Rio Janeiro, a capital federal de então.

Define, por exemplo, que agremiação tem 40 membros vitalícios – os “imortais” --, sendo que “pelo menos” 25 deles têm que ter nascido ou residir permanentemente no Rio. Diz ainda:

“Art. 5º - A Academia funciona com cinco membros e delibera com dez. Parágrafo único. Para eleições exige-se, em primeira assembleia, a maioria absoluta dos membros residente no Rio de Janeiro.”

Não se discute a qualidade da quase totalidade dos primeiros quarenta membros, lá atrás. Dentre eles, tinha gente do coturno de Rui Barbosa, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Graça Aranha e Visconde de Taunay, pra citar apenas meia dúzia, com Machado de Assis, eleito seu presidente, por aclamação. 

Ao correr dos anos, contudo, escritores e poetas do porte de Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Gilberto Freyre, Érico Veríssimo, Sérgio Buarque de Holanda, Vinícius de Morais e milhares de outros nunca quiseram ou sequer foram convidados a entrar na confraria.

Em muitos momentos, a ABL teve papel político no cenário nacional, se identificando mais facilmente com a direita. Durante o regime militar, houve um episódio de grande repercussão, por envolver o ex-presidente Juscelino Kubitschek, perseguido pela ditadura.

Foi em 1975, governo do general Geisel. JK vivia no ostracismo, entre um exílio e outro, e precisava de algo que o pusesse na mídia. Uma vaga surgida na Academia, pela morte de um membro, era uma boa chance pra isso. E ele se candidatou.

O cenário do País sugeria atitudes desse tipo, pois o general de plantão falava em abertura política, o que significava dizer que em breve poderia haver eleições presidenciais. Ao emergir, pois, JK era um candidato em potencial.

No entanto, sob o comando do general Golbery do Couto e Silva, estrategista do poder, o Palácio do Planalto montou pesado esquema pra impedir seu ingresso, envolvendo vários ministros, acadêmicos e muita grana. Uma figura central foi o presidente da entidade à época, o escritor Austregésilo de Athayde.

Um resumo, o MEC assegurou dinheiro pra construção da sede da ABL, um prédio de 29 andares no centro do Rio, mas desde que JK ficasse de fora. O escritor goiano Bernardo Élis, que era de esquerda, mas também pleiteava a vaga, entrou de gaiato pra viabilizar a empreitada. 

Foram necessárias três votações, meio confusas, pra materializar a derrota de JK. Athayde manobrou de todo jeito, dizem que até na contagem de votos, pra garantir a verba do MEC.

A esquerda, representada por seguidores do PCB, era crítica à entidade, mas se fazia presente no colegiado. No entanto, seu mais conhecido representante era o baiano Jorge Amado, que foi contra a candidatura de Élis e fez campanha pra JK, mas em vão.

Ferreira Gullar era da ala contrária ao próprio ingresso no grupo, por considerá-lo porta-voz de uma elite descolada da realidade brasileira. Um grupelho de intelectuais que encenava uma pompa de autovalorização, como de fato é.

No entanto, há alguns pares de anos, ele passou a assinar uma coluna no jornal Folha de S.Paulo, surpreendendo com posições reacionárias e rancorosas. Não só ingressou na ABL como apoiou o golpe que derrubou Dilma Rousseff e levou Michel Temer ao poder.

De todo jeito, o Gullar que ficará na memória de muitos é aquele poeta revoltado, defensor dos fracos e oprimidos, que inflamou gerações. O outro, que fique lá pra turma do faz de contas.


* Trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.

Fonte: site Vermelho.org.br

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Edição dezembro 2016


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