Segunda-Feira, 24 de Abril de 2017, 10h:24

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Por João Quartim de Moraes

Os inimigos do povo sírio

João Quartim de Moraes *

 

A Otan mentiu sobre a Iugoslávia, sobre o Iraque, sobre o Afeganistão, sobre a Líbia. É preciso oligofrênica credulidade (ou cinismo bem remunerado) para achar que está dizendo a verdade sobre a Síria, na qual o chefe supremo do banditismo imperial estadunidense despejou na noite de 6 de abril uma chuva de 58 mísseis. Obama era mais discreto e insidioso: drones, clones, pilones. O sucessor, com seu vulgar exibicionismo, logo apelou para o alarido letal do bombardeio.


O pretexto. Trump e parceiros atribuíram ao governo da Síria a responsabilidade pela explosão de armas químicas dois dias antes na cidade de Khan Sheikhun, que está sob ocupação da Frente al-Nusra, uma ala da Al-Qaida que controla todas as informações, verazes ou forjadas, que de lá saem. Segundo a agência israelense de terrorismo de Estado Mossad, outra fonte de águas turvas, a decisão de recorrer ao uso do gás sarin na martirizada cidade síria “foi aprovada no mais alto nível” do governo Assad. Jornais e jornalistas a serviço da máquina de guerra estadunidense divulgaram amplamente esta versão fabricada pelo facho-sionismo. O Mossad é muito eficiente em espionagem e assassinatos seletivos. Por isso mesmo, se estivesse assim tão bem infiltrado na cúpula do Estado sírio, ele já teria matado Assad. 

A lógica dos fatos. Não tem cabimento supor que exatamente quando logrou passar da defensiva para a ofensiva, após seis anos de obstinada resistência à invasão de seu país por um exército de fanáticos e de terroristas profissionais equipados e sustentados pelos emires feudais da Arábia e pela Otan, o governo sírio iria deliberadamente lançar contra uma pequena cidade gases tóxicos mortais, cujo uso é internacionalmente condenado. Bem lembrou a Secretaria de Política e Relações Internacionais do PCdoB que em 2013 a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), órgão da ONU, comunicou que a Síria havia concluído “a destruição de equipamentos importantes para a produção de armas químicas e para o preenchimento de munições com gás venenoso”. 

A hipótese mais plausível. Os terroristas do “califado islâmico”, que lançam abertamente gazes tóxicos no Iraque (em Mossul notadamente, mas não somente), transportaram do Iraque e da Turquia para a Síria, sem controle aduaneiro, armas, explosivos e bombas tóxicas. O governo sírio tem reiteradamente denunciado este tráfico letal. Mas seria mais fácil o togado Gilmar Mendes acolher uma denúncia contra a corrupção tucana do que a cúpula da Otan levar em conta as que provêm dos legítimos representantes do povo da Síria. Sofrendo sucessivas derrotas nos últimos meses, o califado terrorista não teria escrúpulo em tenta reverter a situação militar por meio do odioso atentado de Khan Sheikhoun. Não se pode, de resto, excluir que o fez de acordo com a CIA e outros serviços policiais das grandes potências ocidentais. Estas, oficialmente, lutam contra o califado, notadamente no Iraque. Lá estão concentrados os poços de petróleo e consequentemente os bombardeios estadunidenses para retomar seu controle. Mas o objetivo principal do bloco imperialista hegemônico e de seus satélites do feudalismo petroleiro árabe é derrubar Assad. O ódio que ele inspira é proporcional ao prejuízo que ele trouxe à até então avassaladora ofensiva de recolonização planetária desencadeada logo após a queda da União Soviética. Pela primeira vez, desde então, a Otan e seus satélites experimentam o gosto da derrota. Para revertê-la, vale tudo. Ou deveríamos esperar considerações humanitárias por parte da potência responsável pelos genocídios de Hiroshima e de Nagasaki, bem como por defender a “democracia” no Vietnã despejando napalm e “agente laranja”?
O bombardeio da noite de 6 de abril foi bem recebido mundo afora não só pela direita mais boçal, admiradora explícita do banditismo imperial, mas também pelo senso comum neoliberal. Alguns governos satélites lamentaram protocolarmente que o trombadão da Casa Branca tivesse agido sem autorização da ONU. Mas uns e outros bem sabem que estão apenas representando a tragicomédia do imperialismo neoliberal. 

Entre nós, cumprindo dever de ofício, a grande imprensa sabuja não esperou os mísseis de Trump esfriarem para bater continência ao alto comando de Washington. No dia 7 de abril, com sua peculiar malandragem na intoxicação da “notícia”, o jornal do clã Frias inventou o seguinte título: “Para analistas, motivação de Assad é enigma”. É possível distorcer mais cinicamente os fatos? O título dá por certo que o presidente sírio foi o mandante do crime de Khan Sheikhun. O “enigma” seria sua “motivação”. É o mesmo que dizer “desconhecemos a motivação do crime cometido por fulano”, dando por suposto, sem qualquer prova, que fulano é o criminoso. 

O mesmo jornal, de resto, sempre destilou ódio contra o governo Assad. Cinco anos atrás, confiante em que o arrastão neocolonial que vinha eliminando, um por um, os governos independentes da região iria também dar certo na Síria, o plumitivo C. Rossi anunciou em jargão de cassino que a solução final estava muito próxima: “Assad, "game over" (ou quase)” (Folha de São Paulo de 19/7/12).

Mostrando o tamanho de seu descortino estratégico e o grau de objetividade de suas fontes, o audaz periodista apoiou-se num “conselheiro” de política externa dos Estados Unidos e na rede Al Jazeera, propriedade de emires do feudalismo petroleiro, para proclamar: “Até o fim de semana, a dúvida era saber quantos mortos mais a ditadura de Bashar Assad empilharia pelo país. Depois que a guerra chegou a Damasco e, particularmente, depois do atentado de ontem que matou três homens do círculo íntimo do regime, a questão relevante não é mais saber se o regime vai cair, mas quando e, mais importante ainda, como"; “é o começo do fim”. Cinco anos depois, chegamos perto do fim desse começo. 

Não que a sanha mortífera dos fanáticos tenha se atenuado. Ao contrário. Animados pelos bombardeios de Trump, eles golpearam pesadamente no centro histórico de Damasco: duas bombas, quase cinquenta mortos e cento e vinte feridos graves. Sem escandalizar os periodistas anti-Assad. É pura perda de tempo discutir dados objetivos com provocadores de má fé. A contabilidade macabra de seis anos de guerra registra mais de 320 mil mortos, dos quais quase cem mil civis e cerca de dezessete mil crianças. Antes dos mercenários e fundamentalistas tocarem fogo no país, ele tinha vinte e três milhões de habitantes. Cerca da metade abandonou suas moradias; metade desta metade emigrou. A responsabilidade histórica, moral e política por esta indizível desgraça coletiva cabe aos invasores da Síria, estipendiados pela Otan, pelo feudalismo petroleiro árabe e pelo governo turco. 


* Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.

 

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