Terça-Feira, 15 de Agosto de 2017, 17h:24

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OPINIÃO

Venezuela: Caos e cerco

 

Não há mais nuances no país. Ou se está a favor ou contra o governo
por Gilberto Maringoni
 
Ronaldo Schemidt/AFP

A história da Venezuela é marcada por confrontos de extrema violência

A crise na Venezuela mudou de patamar a partir da eleição da Assembleia Constituinteem 30 de julho. Se antes existia uma escalada verbal que logo descambou para protestos e choques quase diários nas ruas e tentativas de isolamento internacional, agora a ideia propagada pela mídia internacional é de instalação de uma ditadura, caos interno e cerco externo.

O presidente Nicolás Maduro tem minoria na Assembleia Nacional, o Poder Legislativo, e enfrenta uma renitente crise econômica que envolve explosão inflacionária, escassez de gêneros nos supermercados e uma contração de 17% do PIB desde 2013, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Dificilmente a nova Carta resolverá algum desses problemas. O objetivo imediato do governo é, no entanto, ganhar tempo e convencer o país de que a alternativa oferecida pelo outro lado é ainda pior.

A oposição de direita não divulga claramente seu programa, mas ele pode ser entrevisto pela linha de apoios recebidos internacionalmente. A contestação à administração bolivariana envolve um leque de países pautados por reformas liberais (Argentina, Brasil, Peru, México e Colômbia), pela Casa Branca e pelos principais conglomerados de comunicação do mundo.

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Assentada na maior reserva de petróleo do mundo, 298,3 bilhões de barris, ou 17,5% do total planetário, a Venezuela é há cem anos palco de uma disputa estratégica que vai muito além dos atritos internos.

Desmoralizada por tentar empalmar o governo com um golpe em 2002, a oposição custou a se reorganizar e buscar a via institucional. Em 2015, alcançou maioria expressiva na Assembleia Nacional, por meio da eleição de 109 das 167 cadeiras disponíveis. A partir dali, ergueu suas barricadas contra o Palácio Miraflores.

Em janeiro deste ano, os oposicionistas aprovaram medida a declarar, sem base concreta, vago o cargo de presidente da República. Um conflito aberto estabeleceu-se entre o Executivo e o Legislativo. Incapaz de sustentar a disputa por vias institucionais, a oposição foi para as ruas.

Vale lembrar que, ao longo do século XX, os enfrentamentos políticos no país foram marcados por extrema violência. Levantes militares, choques a céu aberto e verdadeiros massacres, como o Caracazo, com 3 mil mortes em 1989, deram o tom em um país alardeado como exceção, juntamente com a Colômbia, por não ter atravessado os anos 1960-1980 sob golpes e ditaduras.

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Deus e o diabo. Maduro tornou-se um ditador, segundo os antichavistas, ou vai salvar a democracia, de acordo com a base bolivariana (Foto: Rayner Pena/FotoArena)

Em conta recente, The New York Times contabiliza 124 mortos nos choques ocorridosdesde março entre opositores e governistas.

As forças de segurança foram responsáveis por 46 delas e grupos armados pró-governo por mais 27. Coube à oposição os demais 51 assassinatos.

A essa conta, somam-se um bombardeio de helicóptero contra o Ministério do Interior e a Suprema Corte, em junho, e um levante militar imediatamente sufocado na base de blindados de Paramacay, na cidade de Valência.

Diante de uma crise que se avolumava, o governo radicalizou: convocou a Constituinte, para reordenar o equilíbrio de poderes. Vale recordar que Hugo Chávez, morto em 2013, logo após ser empossado em 1999, invocou instrumento semelhante para refazer a institucionalidade, alargar direitos sociais, criar um Congresso unicameral, redefinir o papel do Estado e estabelecer novos parâmetros de disputa política.

Em tempos de recuo do conservadorismo e popularidade governamental crescente, a iniciativa foi amplamente aceita. A conjuntura lhe foi favorável. O preço do petróleocomeçava ali uma trajetória altista de mais de uma década, com preços que bateram em 100 dólares o barril.

Aqui entra o problema real e imediato de Maduro, para além de sua inabilidade política e da inépcia administrativa de sua gestão: nos últimos dois anos, desabou o preço do produto que responde por 97,5% do valor das exportações venezuelanas. Apesar de uma pequena recomposição dos preços do barril (30 dólares em janeiro de 2016, 50 em janeiro de 2017 e 44 agora), o solavanco econômico que tal oscilação provoca arrasta o país para uma crise sem saída a médio prazo.

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Maduro. O substituto de Chávez paga não só por seus equívocos (Foto: Federico Parra/AFP)


O efeito mais grave é que praticamente não existe mais moeda nacional na Venezuela. O bolívar tem sua cotação oficial fixada em 10 por dólar, segundo o Banco Central. Nas ruas de Caracas, a divisa dos Estados Unidos é comercializada a 12 mil bolívares, uma taxa mais de mil vezes maior.

Diante da situação, a relação comercial do país com o mundo perdeu parâmetros objetivos. A taxa oficial, base para importações e exportações, é o ponto de apoio para uma desenfreada corrida especulativa interna. Comerciantes importam produtos na cotação oficial e os vendem em redes clandestinas controladas por máfias na base do paralelo.

Não é preciso muita imaginação para perceber que a inflação de 720% para 2017 e a de 2.000% para 2018, previstas pelo Fundo Monetário Internacional, têm no câmbio seu motor essencial.

A escassez de produtos nos supermercados, em um país que importa praticamente de tudo, à exceção de petróleo, está diretamente ligada à crise cambial. E esta existe por força da contínua e extrema dependência do petróleo, não apenas por ser praticamente o único exportável, mas pelo fato de o Estado ser financiado em boa parte pela renda advinda de sua comercialização.

A carga tributária venezuelana é historicamente baixa, estava em 13,5% do PIB no período 2010-2014, segundo a Cepal. Para efeito de comparação, a carga brasileira situa-se por volta de 34% do PIB, a francesa 45% e a alemã 46%.

Se o financiamento do Estado é complementado pela renda petroleira e se esta oscila em um mercado com baixo grau de previsibilidade, vale dizer que a própria solvência do Tesouro fica amarrada à especulação internacional. Quando o preço do óleo está alto (como em 1974-1980 e 2000-2011), a Venezuela torna-se próspera.

Quando o barril desaba, como nos últimos três anos, o país enfrenta crises renitentes. Assim, o baixo ingresso de petrodólares, como atualmente ocorre, gera escassez interna de moeda forte, a procura aumenta e eleva seu preço.

Ter a maior reserva de óleo do mundo às vezes pode ser uma maldição (Foto: Ana Maria Otero/AP)
Nem Hugo Chávez conseguiu alterar essa ordem. Quando os preços internacionais estão altos e o ingresso de petrodólares financia a máquina pública, os investimentos e o dinamismo econômico (incluídos a geração de empregos, a elevação de salários e os programas sociais), não há incentivo algum para se realizar uma reforma tributária ou para se promover a reestruturação produtiva, impulsionando a industrialização.

A moeda nacional valoriza-se, as importações ficam baratíssimas e os custos de produção internos tornam-se proibitivos. É o fenômeno conhecido como “doença holandesa”, percebido pioneiramente por Celso Furtado em 1956.

Quando o preço internacional desaba e a economia interna entra em crise, não há condições de se fazer investimentos. Assim, o problema estrutural do país, o câmbio e a moeda não têm solução fácil à vista. Nem pelo governo, nem pela oposição.

A situação política polarizou-se. Reduziram-se os espaços para nuances internas com real incidência na disputa. Na Venezuela, ou se está com o governo ou se está com a oposição. Essa radicalização também é visível no plano externo, na situação de verdadeiro cerco patrocinado pela maioria dos países vizinhos, Brasil à frente.

Ultrapassa o terreno da ironia o fato de o chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, invocar a cláusula democrática do Protocolo de Ushuaia para suspender a Venezuela do Mercosul. Integrante de um governo constituído a partir de um golpe, o representante brasileiro sabe que conceitos como lógica e democracia contam pouco na investida contra Miraflores. Vale a boa e velha força, sempre travestida de argumentos elevados.

Site Carta Capital - por Gilberto Maringoni

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Edição dezembro 2016


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