Consequências da pandemia para os técnicos e auxiliares administrativos na escola
Por João Batista da Silveira*
Muito se tem apontado sobre as dificuldades educacionais durante esse período de calamidade pública e emergência sanitária, sobretudo no que toca a professores e estudantes. De um lado, a imensa sobrecarga de trabalho e o esgotamento emocional a que estão submetidos os docentes em meio às exigências das atividades pedagógicas remotas, à cobrança de pais e responsáveis sobre o conteúdo ministrado on-line e à pressão de escolas que tratam a educação como mercadoria e o aluno como cliente, ignorando que o papel da educação, mais do que instrução, é também o de construção de cidadania. De outro, as inúmeras dificuldades de adaptação e acesso dos estudantes, forçados a dar conta dos estudos e das avaliações num momento de desamparo emocional e psicológico que, se atinge com força os adultos, deve ser ainda mais difícil de compreender e lidar para crianças e adolescentes. E isso falando de uma realidade muito específica do setor privado, sem adentrar nos perversos ataques à escola pública e na grave desigualdade educacional — com todas as formas de exclusão: digital, infraestrutural, cognitiva, institucional… — que espelha o abismo socioeconômico no Brasil.
A educação, contudo, é erguida sob um tripé. Docentes e discentes são dois pilares fundamentais, é claro, sem os quais não estabelece uma relação pedagógica, mas sem o terceiro apoio não há qualquer base que se sustente. Trata-se, nesse caso, dos trabalhadores técnicos administrativos que atuam nas instituições de ensino e que são responsáveis por orientar, organizar, registrar, sistematizar, registrar, documentar, enfim, permitir o funcionamento não apenas administrativo, mas estar a par de tudo o que acontece numa unidade escolar. Sem eles não há ensino escolar possível, porque não existem condições de uma escola funcionar decentemente — e ainda continuar funcionando de forma remota nestes tempos difíceis.
A despeito dessa importância, já escrevi aqui neste mesmo espaço que falar sobre a formação ou identidade de uma categoria é mais fácil quando esta é detentora, além da carreira, de um efetivo programa de formação inicial e continuada. E esse segue não sendo o caso dos auxiliares de administração escolar ou técnicos-administrativos, categoria plural e heterogênea, cujo próprio nome serve como uma espécie de guarda-chuva a cobrir “todo o pessoal que trabalha em escola privada e não são professores”. Muitas vezes não se consegue cobrir todos; em inúmeras situações , ao contrário, muitos desses trabalhadores são deixados a descoberto na tempestade e completamente à deriva.
Não é de hoje que a contribuição dos trabalhadores técnico-administrativos em educação tem sido considerada de forma secundárias dentro das instituições, encarada apenas como atividade-meio necessária para atingir os fins do ensino (e também da pesquisa e da extensão, no caso de universidades, centros universitários, faculdades e afins). O auxiliar de administração escolar sofre constantemente, como apontou o pesquisador Arthur Schlunder Valle na dissertação “Trabalhadores técnico-administrativos em educação da UFMG: inserção institucional e superação da subalternidade”, uma “perda de referenciais de inclusão no cotidiano institucional”, que faz com que “seu trabalho não tenha, um significado tangível, não percebendo uma relação objetiva e causal entre o que fazem o os objetivos institucionais”.
Embora a análise de Schlunder Valle diga respeito a uma categoria de servidor público dentro de numa universidade federal, esse sentimento de exclusão também é sentido pelos técnicos administrativos que atuam no setor privado. E agora, neste período de crise, esses trabalhadores, que são sujeitos do processo educacional tal como professores e estudantes, são mais uma vez invisibilizados.
Em nenhum lugar se apontou que, embora as escolas estejam fisicamente fechadas, sua manutenção continua sendo feita; ou que, para que as aulas remotas aconteçam de maneira satisfatória, o suporte técnico se faz necessário; ou que, para que estudantes, pais e responsáveis façam suas queixas ou tirem suas dúvidas, as secretarias e os serviços de atendimento seguem funcionando por e-mail ou telefone; ou que, para que os professores deem suas aulas de forma remota, um planejamento pedagógico precisa continuar sendo discutido com e seguido por toda uma equipe.
Tampouco se tem discutido na mídia ou em qualquer outro espaço público, fora das entidades sindicais que representam esses trabalhadores e lutam por seus direitos, que, entre exigências por redução de mensalidades e escolas alegando queda em suas receitas, são esses os profissionais mais afetados pelas reduções salariais e suspensões contratuais permitidas a partir da Medida Provisória 936. Mas é preciso que se discuta, porque esse também é um impacto trabalhista sério e que reverbera diretamente no direito constitucional à educação.
*João Batista da Silveira é secretário de ensino, advogado, professor de História e membro das diretorias executivas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), da Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar no Estado de Minas Gerais (Fesaaemg) e do Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (Saaemg)
Fonte: CONTEE